quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Como olhamos o Estado

Fruto do meu vício de ler pela manhã o jornal Público, há dias em que me deparo com textos de qualidade elevada e até invulgarmente elevada.
Foi o caso de hoje, quando me deparei com um texto de opinião de Helena Matos, que é quase uma explicação anatómica da mente do português médio, especialmente no que diz respeito às expectativas para com o Estado.
Assim existem trechos que são de indispensável reprodução aqui:

"(...) pois a democracia assentou o seu discurso funcional não em como poderíamos ser um país mais rico, mas sim no combate à desigualdade e aos ricos, desígnio que pode satisfazer ímpetos justiceiros e alguma inveja, mas nunca fez dos pobres menos pobres. Todo o esforço da democracia foi concentrado não em promover a livre iniciativa, mas sim em fazer dos portugueses utentes de serviços públicos que legitimavam o seu crescimento através desse combate à desigualdade. Consequentemente, o Diário da República transformou-se num novo Génesis de algo a que se chamou justiça social: decretos, leis e portarias construíram um edifício legal que durante muito tempo nos disseram ser dos mais avançados do mundo, em que tudo e mais alguma coisa se prometia e garantia. Era como se bastasse escrever para ter. Não bastava, como agora se vê."

"Os governos dão os povos acham que eles podem dar mais. E ameaça-se com contestação porque os governos estão a tirar o que tinham dado. É neste logro do dar e do tirar que temos passado as últimas décadas. Foi necessário chegar-se a 2010 e à respectiva crise para que se estabelecesse uma relação entre a coluna do deve e do haver na nossa concepção do Estado."

"(...) ao contrário do que acontecia há 40 anos, os portugueses têm hoje acesso a informação mais do que suficiente para terem consciência de que usufruem de um padrão de vida muito superior ao daqueles que os antecederam mas que sabem estar muito acima das suas posses reais. Sabem também que os seus filhos irão viver pior, quanto mais não seja porque vão ter de pagar por largos anos aquilo de que os pais usufruíram. Os filhos e os netos de quem teve emprego blindado para toda a vida, mesmo que não trabalhasse nada, são agora eternos trabalhadores a recibos verdes, sem direito a subsídio de desemprego e, para cúmulo, obrigados a descontar para uma segurança social cujos recursos não são suficientes para cobrir todo o pacote de garantismos que se consideram inerentes à democracia.
Desta traição geracional não é apenas responsável quem nos governou e governa nos últimos 40 anos, mas todo um povo que se desresponsabilizou na ditadura e na democracia de cada vez que fez de conta que acreditava que os governantes davam e que achou que aquilo a que chamavam os seus direitos seria pago por quem calhasse, quando calhasse e na forma que calhasse. Mas as facturas, sobretudo as dos pobres, caem sempre na respectiva caixa do correio. E quando o destinatário já não reside lá fica ao cuidado dos seus filhos."

1 comentário:

  1. Pois é verdade. É uma faceta da verdade. A outra, de que não se fala tanto é que mesmo assim o modelo é sustentável. Basta querermos. Basta querermos aceitar alguns sacrifícios e obviamente fazer os devidos acertos e optimização e simplificação da máquina que faz a gestão do Estado Social que continua a ser em meu entender a forma mais acertada de organização da nossa sociedade. Entenda-se que quando se fala em optimização da máquina obviamente estamos a dizer que o estado terá claramente de despedir e sobretudo terminar com noções essas sim insustentáveis como por exemplo a noção de "carreira"

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