sexta-feira, 8 de outubro de 2010

E agora?

Este é o título do artigo de opinião publicado no Público de hoje, da autoria do ex-Ministro dos governos cavaquistas, José A. Silva Peneda.

Este artigo chamou a minha atenção principalmente pelo facto de misturar conceitos e ideias, umas boas e outras más, naquele que tem sido um exercício de desinformação típico dos políticos dos nossos tempos. Principalmente vindo de um homem que foi ministro de duas das áreas mais polémicas e onde mais desorientação se tem visto, a agricultura e a segurança social, sem que nunca tenha havido um exercício mínimo de autocrítica.

Assim, como forma de melhor expressar o meu pensamento acerca do explanado no texto, transcreverei (apresentado em itálico) trechos do artigo e posteriormente (em texto normal) explanarei algumas considerações pessoais.

(...) "perceber que quer a via de luta de classes ou a mão invisível de mercado não são caminhos a adoptar para o futuro. A primeira conduziu à perda de liberdade e à penúria. A segunda levou-nos à crise que hoje sentimos no nosso quotidiano. A época da experiência neoliberal fracassou e a suposta auto-regulação do mercado é só uma teoria sem qualquer aderência à prática porque, como ficou recentemente demonstrado, o mercado não é capaz, por si só, de se auto-regular."

Neste pedacinho de texto temos condensada toda uma série de asneiras e de farpas de desinformação que têm sido lançadas insistentemente, fazendo dos liberais, depois dos comunistas, os novos comedores de criancinhas.
Se é verdade que as experiências colectivistas e de igualitarismo de luta de classes falharam, pura e simplesmente pelo facto de as pessoas serem diferentes, terem graus diferentes de empenho, terem méritos e talentos diferentes, já não se pode dizer o mesmo das teorias liberais de mercado. A grande realidade é que a actual crise financeira se deve, não a um neo-liberalismo, mas sim a um conservadorismo retrógrado que só quer manter o poder de uma determinada classe elitista, pelo que não se pode falar também em mão invisível do mercado, porque quem provocou a crise foram pessoas concretas, que cometeram, em muitos casos, crimes. Além disso, um conservador como Silva Peneda chamar a si o explanar programático do liberalismo é no mínimo ridículo. Nunca os liberais foram a favor de um mercado desregulado. Bem pelo contrário foram, são e serão a favor de um mercado regulado e leal, onde por isso e para isso o Estado tem um papel importantíssimo, e, também por isso, não deve ser um actor do mercado, por forma a ser um árbitro isento. Até porque, para os liberais, o valor maior é a liberdade, e, tal como na sociedade, a liberdade só pode ser assegurada no respeito pela lei, pela ordem e pelo próximo, assim é também no mercado. Mercado regulado e funcional onde o Estado arbitra, não intervém. Logo falar de experiência neo-liberal falhada, além de demonstração de ignorância, só pode significar o lançar de uma cortina de fumo sobre os verdadeiros culpados da crise: os conservadores tipo Silva Peneda que só valorizam o sucesso das empresas a todo o custo.

(...) "O Estado tem de liderar a reestruturação do sistema financeiro, tornando-o mais transparente e ao serviço da economia real. Tem de dificultar a especulação financeira e favorecer o investimento produtivo, o que significa que o dinheiro tem de estar mais ao serviço de quem cria emprego e riqueza. Dito de forma directa: aqueles que especulam financeiramente, têm de ser penalizados; aqueles que criam riqueza e emprego têm de ser apoiados." (...)

Aqui está um exercício de escrita esquizofrénica, que balança entre o amor ao mercado e o ódio à especulação. Na verdade a posição do autor parece-me hipócrita e até perigosa. Se é verdade que o Estado deve liderar a reestruturação do sistema financeiro não há razão para penalizar a especulação financeira, desde que esta esteja devidamente regulada. Tem o seu lugar e é até necessária. Não se pode é permitir que os bancos continuem a actuar como proxenetas do sistema, o que tem acontecido até hoje. É preciso enquadrar todas as actividades. Não entendo que se tentem condicionar liberdades, principalmente o que quero fazer com o meu dinheiro, mas como em tudo na vida, eu não tenho é o direito de fazer tudo o que quero sem ter consideração pela lei e pelos outros.
(...) "as forças de oposição, (...) têm de banir dos seus discursos a utopia e as promessas de que tudo vai melhorar" (...)

O apelo à seriedade do discurso político é importante e um dos pontos positivos deste texto. Mas bem entendo que esta falta de pragmatismo tem sido mais fomentada pelos partidos da esquerda.

(...) "A quarta lição tem a ver com a necessidade de a economia ser permanentemente escrutinada, auditada e avaliada." (...)
Esta é a posição liberal acerca da economia, e parece ser uma autocrítica aos anos loucos da desregulação cavaquista.

(...) "A sexta lição é a constatação de que há que pôr em marcha, pelo menos, quatro programas de acção. O primeiro, com o objectivo da melhoria da competitividade da economia e focalizado nos factores mais decisivos, como sejam qualidade, inovação, educação, novas fontes de energia, ciência e tecnologia. Um segundo programa de combate à economia clandestina. Um terceiro com o objectivo de aumentar as exportações" (...)

Reconheço que o período de maior desenvolvimento do país foi aquele em que o actual Presidente da República foi Primeiro-Ministro, e que, ao contrário do que muitos dizem, com Guterres houve também muitos fundos comunitários disponíveis mas que foram muito sua aproveitados, mas, no tempo de Cavaco, a oportunidade de ouro de desenvolver a economia com um sentido de futuro e não imediatista perdeu-se. Certo que com Guterres e a sua política de pleno emprego, ainda que à custa de emprego artificial no Estado, tudo se agravou, mas foi Cavaco e o seu governo, onde o autor dos textos foi ministro, quem teve na mão a chave do desenvolvimento económico com futuro. E, os programas que agora Silva Peneda reclama, deviam ter sido implementados nessa altura, não como programas de acção, mas como programas guia, sabendo exactamente o pretendido para cada sector económico, o que manifestamente nunca houve no nosso país. Exemplo disso é, por exemplo, o sector das pescas, onde Portugal recebeu fundos da UE quase sem sentido, porque não serviram para nada. Em Portugal o dinheiro entrava para abater barcos, enquanto em Espanha servia para modernizar a frota. Ora isto no país com a maior zona económica exclusiva é no mínimo irracional. Portugal não tinha, e aí culpa do governo Cavaco, uma política orientadora das pescas, que condicionasse e canalizasse com sentido os dinheiros de Bruxelas, para que o sector das pescas crescesse com futuro e se desenvolvesse.

(...) "e um quarto programa com vista à desconcentração de muitos serviços da administração central para cidades médias do país," (...)

Existe, do meu ponto de vista, uma certa cegueira de certos políticos, que estão para mim desenraizados da realidade, acerca do descentrar de serviços do Estado. Dizem disparates do tipo aqui reproduzidos - desconcentração de muitos serviços da administração central - porque, se são serviços centrais não podem nem devem ser descentralizados. Devem ser descentralizados sim os serviços que são do interesse regional e local, e que aí deviam estar implementados, mas permanecem, incompreensivelmente, centrados em Lisboa.

(...) "A nona lição é encarar a regionalização como peça fundamental da reforma do Estado" (...)

Nada me poderia colocar mais em desacordo com o autor do texto do que isto. A regionalização é algo que não faz qualquer sentido num país tão pequeno e sobretudo onde o regionalismo não tem grande tradição, em contra ponto com o forte sentido de municipalidade dos cidadãos. Para mim faz sentido sim uma descentralização de serviços e de poderes do estado central para as autarquias, em sectores como por exemplo a educação e a saúde. Claro que a disseminação quase incompreensível das autarquias, a forma irracional como a lei estabelece a constituição dos executivos autárquicos, são defeitos do nosso sistema municipal a corrigir, nomeadamente com a fusão de certos municípios e com a alteração da lei eleitoral autárquica, para que o executivo seja composto apenas por vereadores do partido vencedor das eleições, sendo a representatividade garantida apenas e exclusivamente na assembleia municipal. Mas resolvidos estes problemas, uma série de competências e serviços do estado central devem passar para os municípios, não fazendo assim qualquer sentido a constituição de uma nova camada intermédia de poder.

Dr. Silva Peneda, para quem tem tantas contas a ajustar com o passado fala muito altivamente do futuro.

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