segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

As Presidenciais

(Também publicado aqui.)

As Presidenciais

Não tinha candidato que apoiasse nestas eleições presidenciais. Não concordo politicamente com Aníbal Cavaco Silva e não considero que a sua Presidência tenha sido particularmente inspiradora. Pior, o ridículo "Caso das Escutas", bem como ambas as conferências de imprensa, só serviram para deitar por terra qualquer possibilidade que houvesse de apoiar a sua recandidatura. 

Manuel Alegre

Infelizmente, Manuel Alegre decidiu avançar de novo, desta vez com o apoio do BE. O PS, ao fim de algum tempo, e claramente a contra-gosto para muita gente dentro do próprio PS, lá o apoiou oficialmente. Com isto, acabou por não surgir de dentro do PS um candidato sério. O facto do PS apoiar oficialmente Manuel Alegre, depois de não o ter feito nas eleições anteriores, é para mim um insulto do PS ao país. Um partido como o PS, com aspirações governativas, ao decidir apoiar um candidato numa eleição presidencial, deve apoiar um candidato que percebe minimamente, pelo menos, aquilo que faz um Presidente da República, e que tem um mínimo de preparação para a função. Manuel Alegre não tinha, claramente, estas características.

Primeiro, Manuel Alegre esteve décadas no Parlamento e nada de relevo lá fez. Nada. Zero. Não se conhece uma única iniciativa a que se tenha verdadeiramente associado, e fica-se com a impressão de que nada fez nessas várias décadas enquanto deputado.

Segundo, não se sabe o que defende, verdadeiramente, Manuel Alegre. Falar de defesa do "Estado Social" e da "democracia", numa campanha que parecia saída dos tempos do PREC, não significa nada. Principalmente quando se fala da solvência financeira do dito "Estado Social" e Manuel Alegre parecia mais que feliz em manter todas as políticas que resultaram no quadro actual de crise financeira do Estado. Claro que, no meio disto tudo, o candidato Manuel Alegre se recusou a explicar o que faria ao Orçamento do Estado para 2011 se fosse Presidente. 

Isto, aliás, é consentâneo com a actuação de Manuel Alegre enquanto deputado. Os seus ataques contra o Governo, marca da sua "independência", eram sempre inconsequentes. Não ia a votações cruciais. Aproximava-se do Bloco de Esquerda, mas disso só saiu um apoio do Bloco de Esquerda à sua segunda candidatura à Presidência. (E no fim de tudo, tão independente era Manuel Alegre em relação ao PS, que aceitou o apoio do PS nestas eleições, mesmo pelo meio de críticas a todo o tipo de políticas seguidas precisamente pelo partido que o apoiou...!)

Em 2006, Manuel Alegre apresentou-se como independente, com um discurso anti-partidos que foi claramente eficaz na altura. Poucos se pareciam lembrar da ligação íntima de Manuel Alegre ao PS, e este conseguiu ter mais votos que o candidato oficial do PS, Mário Soares. Em êxtase, Manuel Alegre decidiu candidatar-se de novo este ano. Com o apoio do BE. E do PS. Interessantemente, sem o discurso anti-partidos da sua última campanha. Curiosidades.

No lugar desse discurso, tivemos direito a uma campanha extremamente negativa, com ataques permanentes a Cavaco Silva (todos os dias surgia um novo ataque, a tudo o que era dito por Cavaco), e com o episódio absurdo da sugestão da paragem da campanha para o Presidente ir "salvar" o país da entrada do FMI e dos seus credores. De tal forma absorto estava Manuel Alegre nos seus ataques, que claramente se notava que ia ao sabor do vento. Por um lado, falava de políticas concretas que criticava (enquanto o Governo as propunha) e de que o Presidente não tinha intervindo o suficiente, por outro, acabou a dizer que o Presidente tem é de cooperar com o Governo. Andámos nisto, e no Caso das Acções, e no Caso das Permutas... Sobre a crise, pouco. Muito pouco. Cavaco Silva falou de pobreza, foi acusado de a explorar politicamente - e com isso, acabámos por não debater verdadeiramente esse flagelo social...

Aníbal Cavaco Silva

Cavaco Silva, entretanto, recusou-se sempre a prestar explicações relativamente aos Casos das Acções e das Permutas. É evidente que eram casos de insinuações, de puros levantamentos de suspeitas, em que nem sequer se percebia bem aquilo de que Cavaco Silva estava verdadeiramente a ser acusado. Já ouvi vários comentadores a dizer que este género de campanhas só ajuda a destruir a credibilidade das nossas instituições, e eu concordo. Mas continuo a considerar que Cavaco Silva geriu mal estas acusações, e que esteve mal ao referir-se a elas no seu discurso de reeleição. Ao referir as pessoas constantemente a documentação que nada explicava, Cavaco Silva apenas conseguiu aumentar o espectro de suspeitas que sobre si pairava. 

O Presidente agora reeleito tentou ainda falar do Mar, da criação de um Ministério do Mar, tentando explicar a sua ideia estratégica para o país - que parece ser a de que o país deve (continuar a) meter água. Decidiu ainda atacar a flexibilização laboral (tema de um futuro artigo neste coluna), e acabou a propor um imposto sobre os ricos para que não tivesse de haver cortes salariais para a Função Pública, num claro "piscar de olho" à Esquerda, enquanto esta procurava, vorazmente, caracterizar Cavaco Silva como um terrível "neo-liberal" (um disparate pegado - de liberal, Cavaco Silva tem muito pouco, e de "neo", ainda tem menos).

Fernando Nobre

Chegamos a Fernando Nobre. Tinha grandes esperanças para Fernando Nobre. É uma pessoa pela qual tenho bastante consideração, devido ao seu trabalho na AMI, que é uma boa amostra daquilo que a sociedade civil consegue fazer por si quando se organiza devidamente. Mas Fernando Nobre desiludiu-me.

Fernando Nobre fez uma campanha, não para Presidente, mas para a Assembleia da República e para Primeiro-Ministro. Aquilo que propunha nada se relacionava com os poderes, reais, do Presidente da República, que aliás ignorou ou parecia não conhecer verdadeiramente. Prometer planos estratégicos para daqui a um ano, além disso, não é suficiente. Se queria falar desses planos, devia tê-los apresentado agora. Acabaria por usar a candidatura à Presidência para apresentar uma espécie de programa de Governo, mas teria sido preferível ficar a falar de generalidades. (E muito preferível a falar de lhe darem tiros na cabeça, ou de ir à 2a. volta.)

O bom resultado de Fernando Nobre deve-se muito à sua verdadeira independência em relação aos partidos e ao seu trabalho na AMI. O tempo dirá se Nobre vai conseguir cristalizar esse apoio num projecto político consistente, ou se o deseja efectivamente fazer.

Francisco Lopes e Defensor de Moura

Francisco Lopes foi o candidato do PCP. Falou do programa do PCP, que agora se traduz numa espécie de conservadorismo económico (proteccionismo a que se juntam nacionalizações, mantendo-se, pelo que percebi, o pequeno comércio em mãos privadas). Faltou perguntarem-lhe se a sua candidatura "patriótica e de esquerda" era uma candidatura "nacionalista e socialista". A resposta seria, eventualmente, uma repetição da cassete. Mas poderia ser, eventualmente, mais engraçada.

Defensor de Moura existiu nesta campanha para dizer que era a favor da regionalização e fazer ataques a Cavaco Silva. Portanto, existiu para pouco mais que nada. Ficou em terceiro na câmara municipal a que presidiu antes de ser deputado na Assembleia da República, e ficou atrás dos votos nulos a nível nacional. Ficou em último. E mereceu, porque nada acrescentou de relevante à campanha.

José Manuel Coelho

Finalmente, falemos de José Manuel Coelho. Teve uma votação à volta de 4,5% dos votos a nível nacional (mesmo assim, teve menos votos que os votos em branco), numa candidatura marcada pelo tom satírico aperfeiçoado na Madeira (atenção aos 39,01% de votos que Coelho obteve na Madeira, que lhe deram o segundo lugar nessa região!). Pessoalmente, gostei da candidatura. Achei piada ao tom satírico que adoptou, com a distribuição de batatas em Gondomar (armazenadas em sacos azuis de Felgueiras) e oferta de submarino de plástico a Paulo Portas.

Não votei em José Manuel Coelho, mas conheço quem tenha votado. E o nível de votação de Coelho no Continente deve ser analisada com atenção, porque representa um claro voto contra o sistema, um claro voto de protesto. Foi o mérito desta candidatura, e é importante que se retirem as devidas ilações deste resultado.

A noite eleitoral 

Aníbal Cavaco Silva foi reeleito Presidente da República e falou da sua honra e de ser o Presidente de "todos os portugueses".

José Sócrates veio apelar à cooperação institucional.

Pedro Passos Coelho veio lembrar que a eleição para Presidente não é uma eleição para a Assembleia da República e não se relaciona com a eleição de um governo.

Paulo Portas veio dizer que os Portugueses tinham rejeitado o Governo.

Francisco Lopes e Jerónimo de Sousa praticamente clamaram vitória. 

Francisco Louçã atacou o PSD e o CDS-PP, que já "afiavam as facas" para chegar ao Governo, falando da maioria, Governo e Presidente que Sá Carneiro desejava. Ao mesmo tempo, apelava a que houvesse uma Esquerda forte... Eventualmente para ter uma maioria, um Governo e um Presidente.

A abstenção venceu a eleição (campanha para a reeleição de um Presidente, conjugada com esta campanha específica, conjugada com este leque de candidatos, não auguravam nada de bom para este número), e os votos nulos e brancos foram mais do que as votações em certos candidatos. Como disse Rui Rio, os votos de José Manuel Coelho são votos de protesto, e, no Continente, quase que devem ser acrescentados aos votos brancos e nulos nesse sentido.

Claramente, Cavaco Silva foi reeleito, mas não entusiasmou ninguém. Veremos como será a sua "magistratura activa". Esperemos que seja melhor que a anterior.

A confusão

Não podia acabar um artigo sobre estas eleições sem mencionar a confusão que houve relativamente aos cartões de cidadão. Sobre isso já foi emitido comunicado da CNE (http://www.cne.pt/index.cfm?sec=0201000000&NewsID=148). 

Para uma explicação do que aconteceu, poderá ler este artigo do Expresso.

É péssimo que isto tenha ocorrido, e tem que se apurar responsabilidades. É ainda necessário garantir que não se torna a repetir. Temos de garantir que todos conseguem, efectivamente, exercer o seu direito de voto. É o mínimo que se exige numa democracia representativa como a nossa.

1 comentário:

  1. Boa João
    Fiquei contente com a tua primeira participação n'A textura, embora a minha visão tenha algumas nuances em relação à tua, principalemnte no que diz respeito à leitura que fazes da candidatura de Fernando Nobre.

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