segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Instituições europeias (II)

http://www.cousasliberaes.com/2011/02/instituicoes-europeias-ii.html - Também no Cousas Liberaes!

A interpretação do Direito da União Europeia é competência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral (ex-Tribunal de Primeira Instância), órgãos jurisdicionais por excelência da UE. São estes tribunais, cuja jurisdição é obrigatória, que decidem casos de incumprimento de legislação europeia por parte de Estados Membros. O Tribunal de Justiça trata também de casos de reenvio prejudicial. (Estes últimos são casos em que o Tribunal responde a dúvidas que os tribunais nacionais possam ter relativamente à aplicação do Direito da União num certo caso concreto.)

No âmbito desta última competência, o Tribunal desenvolveu paulatinamente um sistema de precedente e, no âmbito de todas as suas competências, um corpo doutrinário de extrema relevância para o desenvolvimento do Direito da União e da União Europeia. O Tribunal foi responsável directo pela doutrina da supremacia do Direito da União, pelo aprofundamento do mercado único, pelo efeito directo do Direito da União (que significa que este é invocável directamente pelos cidadãos e pelas empresas), pela capacidade dos tribunais nacionais de aplicarem directamente Direito da União, e pela criação de protecções de direitos humanos no direito da então CEE.

A importância do Tribunal no que concerne ao aprofundamento do mercado único não pode ser exagerada. Foi o Tribunal que, numa série de decisões importantes, e utilizando doutrina mencionada no parágrafo anterior, levou a que os Estados Membros se vissem «forçados» a implementar legislação europeia (em particular, os Tratados) que estes pretendiam protelar, compensando assim o estado enfraquecido da Comissão durante os anos 70. Também importantes foram as também já mencionadas decisões, nos anos 80, que introduziram preocupações com direitos humanos no (então) direito comunitário, à data tendencialmente virado para a integração económica. As protecções relativas a direitos humanos mantiveram-se jurisprudenciais até à entrada em vigor da Carta de Direitos Fundamentais da UE com o Tratado de Lisboa.

Vários outros princípios poderiam ser aqui discutidos, mas cada um deles merece maior atenção do que um ou dois parágrafos. A questão fundamental é perceber a importância da existência de um Tribunal eminentemente independente como forma de resolver litígios de forma pacífica, promover a aplicação dos Tratados e do Direito da União por parte dos Estados Membros, e promover a aplicação uniforme deste Direito num contexto nacional. De uma perspectiva mais genérica, no entanto, este Tribunal é um exemplo da importância dos tribunais num regime constitucional.

São os tribunais que desenvolvem o Direito, ao formularem normas de conduta que regulam situações concretas da vida, quer dos Estados, quer das empresas ou das pessoas singulares. A independência dos tribunais é uma condição necessária para uma boa aplicação do poder jurisdicional, mas esta deve ser complementada com uma consciência, por parte dos tribunais, do seu verdadeiro poder, e de uma ética jurídica que os leve a utilizá-lo de forma justa e equitativa.

O sistema jurisdicional europeu não é isento de críticas, muitas relativas à sua lentidão, outras relativas a regras específicas do seu funcionamento. É uma matéria bastante técnica, mas com importância vital para o bom funcionamento das instituições e para o futuro da União. Gostaria que este tipo de temas não fossem apenas abordados na universidade, por quem neles se especialize, mas também mais cedo, na própria escola secundária. Se é verdade que as instituições europeias estão muitas vezes afastadas das pessoas, não me parece menos verdade que pouco se aprende sobre o seu funcionamento em devido tempo, o que não ajuda a torná-las mais acessíveis.

É preciso que as pessoas ganhem consciência de como funciona a União Europeia, para serem intervenientes informados num debate fundamental: o debate sobre o futuro da UE.

Haverá mais artigos nesta série, que abordarão vários temas relativos a este debate. Este artigo, no entanto, fica por aqui!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Deus, não existe. Se existisse não o permitiria.

Hoje estamos de luto.
Partiu deste mundo uma mãe de 34 anos.
Deus, não existe. Se existisse não o permitiria.
Este pequeno texto estava hoje no meu mail. Não vou revelar, claro, por respeito à dor de quem assim se sente, quem me enviou este texto, mas não consegui ficar indiferente perante o que li.
Ontem mesmo fui a um funeral de um Homem com pouco mais de 40 anos, vítima de um tumor do pâncreas, diagnosticado em Novembro passado e que em poucos meses o levou.
A cerimónia fúnebre, numa igreja cheia, foi linda, muito simples, calma, e sobretudo foi uma linda homenagem.
Este Homem e a sua família acreditam em Deus, sempre acreditaram, ele acreditou até ao fim e a sua família assim continua firme.
Este Homem dedicou a sua vida, depois de anos de toxicodependente, a ajudar outros. Além de constituir a sua família de criar os seus filhos, um deles já adulto, o outro ainda não, ajudou muita, mas mesmo muita gente. Ontem na cerimónia foi solicitado que quem tinha sido directamente ajudado por ele que se levantasse. Muita gente ficou em pé, muita gente testemunhou acerca do que foi a maior realização da vida daquele Homem. E eu sei que nem todos lá estavam.
Este homem partiu com fé, acreditando sempre que se Deus quisesse ele partiria e se encontraria com Ele, ou se Deus quisesse ele seria curado e permaneceria em vida entre nós. A esperança dele era a firmeza de que acontecesse o que acontecesse a vontade de Deus seria feita e para ele havia sempre, mas sempre, independentemente do desfecho, vitória.
Perante este caso eu olho para este caso da morte de uma mãe de 34 anos e só me entristece o facto de perante a morte, não haver esperança, não haver vitória, apenas se sentir derrota, desespero e sobretudo revolta. É triste que se encare a morte de uma forma tão dolorosa. Ela é dolorosa de facto, mas é uma realidade da vida, que se rege pelas suas próprias regras, regras biológicas, médicas, seja o que for. Quando existe uma interferência no decurso normal dessas regras existe uma excepção, uma coisa fora do normal, que para quem acredita se chama milagre. Mas isso são excepções.
O natural é haver o decurso da natureza, como podemos dizer que Deus não existe porque a natureza segue o seu curso? Podemos aferir se Deus existe é pela forma como encaramos a morte e sobretudo pela maneira como vivemos e o que fazemos com a nossa vida.
Podemos existir para nós e, mesmo andando, já estamos mortos, ou podemos existir para o próximo, e aí, tendo Deus em nós, transmitir Deus ao próximo, não pelas nossas palavras, mas sobretudo pela força das nossas acções.
Deus existe sim e existe mesmo, eu acredito sobretudo quando vejo vidas como a daquele Homem que ontem faleceu. Vida... Vida transmitindo Vida.
Servindo a Deus na pessoa do próximo.

Instituições europeias (I)

(Também publicado no Cousas Liberaes.)

Ponto prévio: sou europeísta. Aliás, sou mesmo federalista. E sou-o por ser liberal, por defender as liberdades individuais e a economia de mercado como fundamentais para a existência de paz e prosperidade a longo prazo. A União Europeia é uma garantia desta paz e prosperidade, interligando as economias dos Estados Membros através do mercado único, e criando mecanismos de resolução pacífica de conflitos.

Para atingir as suas várias atribuições, a União Europeia possui um conjunto de instituições e órgãos. Neste âmbito, ouve-se habitualmente falar na Comissão Europeia, no Conselho e no Conselho Europeu, no Parlamento Europeu e no Tribunal de Justiça. Também se ouve falar do Banco Central Europeu, mas fará mais sentido discuti-lo no contexto do euro e da política monetária comum.

A distribuição de poderes na União Europeia não foi feita de acordo com o modelo clássico da separação de poderes. Cada poder foi distribuído por várias instituições, de forma a garantir um equilíbrio de poderes que levasse à participação das várias instituições no processo de tomada de decisão.

A Comissão Europeia é constituída por Comissários, um por Estado Membro, que não podem receber quaisquer ordens e instruções dos Estados, devendo sempre agir de forma independente. Tem o poder de iniciativa legislativa (que já foi um monopólio, mas desde o Tratado de Lisboa as coisas há uma excepção), que lhe foi conferido precisamente por ser independente dos Estados Membros, tem o poder de processar Estados por incumprimento dos Tratados (é a “guardiã dos Tratados”), e tem o poder de aplicar e fiscalizar a aplicação de normas europeias (p.ex. as normas relativas à Concorrência).

O Conselho é constituído por representantes dos Governos de cada Estado Membro, reunindo-se em várias configurações dependendo do tema a tratar. Tem poderes no âmbito do processo legislativo, onde começou por ser o único co-legislador, com a Comissão, mas também poderes executivos, através de vários comités (a chamada “Comitologia”). O Conselho delibera cada vez mais por maioria qualificada (que foi tendo várias encarnações), sendo a deliberação por unanimidade residual. Há um sistema de presidências rotativas do Conselho, que permitem a cada Estado Membro presidir ao Conselho durante seis meses.

O Conselho Europeu começou por ser uma reunião do Conselho ao nível de Chefes de Estado e de Governo, mas transformou-se com o Tratado de Lisboa numa instituição própria. O Presidente do Conselho Europeu tem um mandato de dois anos e meio, renovável uma vez. O Conselho Europeu tem por objectivo deliberar sobre a orientação política da União Europeia.

Finalmente, o Parlamento Europeu é, neste momento, co-legislador com o Conselho em todas as áreas (salvo política externa). Começou por ser uma Assembleia, de cariz meramente consultivo, na qual se reuniam representantes dos Parlamentos nacionais. Passou a ser eleito directamente pelos cidadãos nos anos 70, e as suas competências têm-se expandido exponencialmente desde então. O Parlamento Europeu tem também competência para aprovar o Presidente da Comissão Europeia e Comissários, bem como votar moções de censura à própria Comissão já em exercício de funções. Estes poderes estiveram em evidência quando a Comissão Santer se demitiu, antecipando-se a uma moção de censura que não lhe ia ser favorável, e também com a rejeição de candidatos a Comissário durante a Presidência de Durão Barroso.

(Continua.)