quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Liberalismo e Liberdade: onde estão os seus limites

Existe um exercício reflexivo constante na mente de quem busca sinceramente conhecer essencialmente o conteúdo efectivo das suas convicções. Não entendo as convicções como um imóvel estático e solidificado para a eternidade, mas antes como um edifício frágil e de construção difícil, que muitas vezes tem de ser desconstruído e depois de novo planeado e estruturado. Por vezes a desconstrução abala o edifício das convicções e das percepções até aos seus alicerces e fundamentos, mas por vezes necessita apenas de um pequeno alinhamento e correcção, ou até de mais um pouco de embelezamento estético.
Mas entendo pessoalmente que o exercício do estudo, da busca de informação e da reflexão, contribuirão, não para a construção definitiva desse edifício, mas sim para uma construção mais segura, que ainda que não seja definitiva, seja cada dia um pouco mais perfeitas, ainda que sempre longe da inalcançável perfeição, que é tão longínqua, até só pela dificuldade de entender o que é efectivamente perfeito, limitados que estamos pela nossa própria imperfeição natural.
Um exercício que tenho feito ultimamente é a percepção concreta e pessoal se de facto a minha identificação teórica com o Liberalismo e o seu amor pela Liberdade é sincero a que ponto, bem como entender a dificuldade em perceber os limites concertos da liberdade.
Existe então uma dificuldade íntima que é a percepção concreta de que os Liberais em especial os adeptos do Liberalismo político moderno, aceitam limites à liberdade do mercado, entendendo que o exercício dessa liberdade, sem controlo (ou seja sem regulação e fiscalização), leva a desvirtuamentos do mesmo mercado, por ser tendencialmente fácil de manipular e corromper a lei que efectiva o equilíbrio dos mercados, nomeadamente a Lei da concorrência, mas têm dificuldade em aceitar limites e necessidades de regulação às opções individuais dos sujeitos, não percebendo que também aí podem ser provocados desequilíbrios no funcionamento social onde todos, ainda que muito se elogia o individualismo, o egoísmo, ou até a liberdade individual, estamos inseridos. Assim entendo que, o reconhecimento do direito em si é então a acepção clara por parte dos mesmos da existência aos limites do comportamento e liberdade individual, aos termos do estabelecido a bem da comunidade, ou da sociedade. Assim será correcto dizer que a minha liberdade termina onde começa a liberdade do próximo e a liberdade da sociedade onde me insiro, no sentido em que os meus actos afectam o próximo mas per si também o todo do conjunto social, que, sendo um composto de indivíduos, deve reconhecer e debater a singularidade.
Daqui sinto objectivamente dificuldades em relação a três assuntos.

O primeiro deles é o aborto. Será exercício de liberdade sobre o próprio corpo dar opção à mulher de abortar? À primeira vista é fácil perceber que sim, que a mulher deve ter liberdade de fazer o que quiser do seu corpo, inclusive abortar. Mas aqui impõe-se sempre a pergunta seguinte: mas o exercício desta liberdade individual afecta a liberdade de outrem. Porque o exercício deve ser sempre este, do meu ponto de vista, analisar o direito de exercer a liberdade, depois perceber se o direito do exercício dessa liberdade invade a liberdade de outrem, e por fim entender se o exercício dessa liberdade afecta a sociedade, ou seja se é exercida por forma a contribuir para o desenvolvimento social, o progresso e sobretudo se é exercida de forma informada e realista. Voltando ao exemplo em questão. Reconhecendo-se o direito do exercício da liberdade da mulher de efectivar a sua vontade sobre o seu corpo, importa questionarmo-nos se essa liberdade invadirá a liberdade de outra pessoa. Aqui importa pensar no embrião que é abortado. Está ou não a sua liberdade, ou vendo pela positiva, o seu direito a ter vida a ser afectado. Para pensar nisto costumo pensar na seguinte situação. Imaginando que num futuro próximo a tecnologia permitirá que os bebés sejam desenvolvidos em incubadoras fora do corpo da mulher, que a gestação seja fora do corpo, após a concepção de um embrião, pode-se entender que os pais desse embrião (aqueles que contribuíram com os seus gâmetas para a concepção), devem ter o direito de, apenas por exercício de volição, de liberdade, de interromper essa gestação e destruir esse embrião? É que aí já não se coloca a questão de exercício de liberdade sobre o próprio corpo, mas é efectivamente o exercício sobre o corpo de uma outra pessoa, que se bem em desenvolvimento, porque o que distingue o embrião de uma pessoa autónoma é o factor tempo, tempo de desenvolvimento, tempo de crescimento e estágio de desenvolvimento. Torna-se assim evidente, pelo menos para mim, que existe a interferência, no aborto, sobre o corpo de outra pessoa humana, que apenas precisa de tempo para se desenvolver. Assim ficamos com o problema original: onde está a liberdade da mulher. Creio que esta está no direito à informação, à formação pessoal e a engravidar ou não. E esse sim é factor de progresso e desenvolvimento social. Entendemos então que aí se consegue satisfazer todas as indagações que o real exercício da liberdade nos impõe.

O segundo desses temas é o casamento entre pessoas do mesmo sexo. É verdade que sempre podemos aceitar com facilitismo que se deve reconhecer a liberdade de opção sexual de uma pessoa. Mas esta questão levanta-me a dúvida de exercício social de liberdade informada, ou seja, que para eu conseguir decidir pelo exercício de uma liberdade social, necessito de estar devidamente informado, sob pena de não estar a exercitar liberdade, mas sim um comportamento condicionado. E creio que foi isso que aconteceu em Portugal. Sem conhecimento técnico e científico do comportamento homossexual, pelo condicionamento de uma série de pessoas e preconceitos políticos. O ridículo é que vivemos no mundo do preconceito ao contrário em que se questiona e coloca em dúvida a dimensão humana de alguém que não aceita um comportamento sem que se sinta devidamente informado acerca do mesmo. Logo existe um preconceito feito contra alguém que se debata por não aceitar o casamento homossexual, apenas porque não aceita e se não aceita é porque se é preconceituoso, sem questionar ou entender a possibilidade da validade dos argumentos do próximo, o que, matando o debate e a dialéctica que lhe é subjacente, se mata a liberdade.

O terceiro desses temas é a equiparação das uniões de facto a um casamento pelo Estado. Aqui creio que existe uma efectiva invasão do Estado na liberdade de quem não quer casar. Se alguém não quiser casar, o Estado diz que ainda assim equipara essa relação a um casamento. Existe aqui uma esfera de interferência claramente ilegítima do Estado, numa relação, onde os indivíduos optaram por não casar. Ainda se pode argumentar que o que acontece é que os indivíduos querem as condições do casamento para não passarem pelo ritual. Mas a efectividade do ritual não interfere no contrato, que é o casamento perante o Estado, e, em relação a este apenas isso conta. Mas este assume que ainda não havendo a efectivação do contrato, reconhece a relação como se o contrato tivesse sido efectivado. Mas, no âmbito do direito, eu não posso estabelecer nenhuma relação sem a assinatura de um contrato, com a excepção do casamento. Logo é claro que existe um abuso da posição do Estado, ao invadir a Liberdade de quem não quer casar e ao desprestigiar o próprio direito ao reconhecer um contrato que nunca foi assinado.

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