A América e a Europa
Esta narrativa excepcionalista, que começou primeiro como observação sociológica, ajudou a solidificar um certo credo ideológico. No século XX, quando escreveu também sobre o excepcionalismo dos americanos, o cientista político Seymour Martin Lipset disse que era uma ideologia em cinco palavras: liberdade, igualitarismo, individualismo, populismo e laissez-faire.
A ideologia ficou. Mitificada, claro, como são todas as ideologias. Mas na imaginação do mundo a América passou a ser associada à liberdade, à terra das oportunidades, da mobilidade social e da criação de riqueza. Toda essa ideologia optimista, convém notar, gerou depois uma contra-ideologia que, em vez da declaração de independência, preferia enfatizar o verso da realidade: as desigualdades raciais, a taxa de população nas cadeias, a pobreza, a saúde privada e incomportável para milhões de americanos, o capitalismo desregulado. A contra-ideologia americana nunca hesitou no modelo alternativo a seguir: a Europa "social". A Europa que tem menos pobres, menos presos, mais integração social mas também menos capitalismo.
O ponto que quero destacar é no entanto outro. Por causa do tal excepcionalismo, a sociedade americana sempre dependeu de um ethos normativo forte. O país da liberdade é também um país de regras, porque a boa liberdade é sempre a liberdade regrada. A cultura do trabalho, a responsabilidade individual, a ética da realização pessoal, são algumas regras desse código. Os americanos acreditam genuinamente na superioridade das suas regras e esperam que todos as aceitem e cumpram.
Essa é aliás a primeira regra de todas: a adesão. Dentro desse princípio de adesão, toda a gente é livre para fazer o que quer. Mas o respeito pelo básico tem sempre de lá estar. Os americanos são um povo eminentemente centrista por esse motivo, o que explica porque é que os extremos políticos nunca germinaram nos Estados Unidos. Não estão interessados em que se ponha em causa regras que eles sabem que funcionam. São um povo de liberdade, não de anarquia.
E é exactamente esse ethos, devo dizer, que me parece a diferença mais gritante em relação ao que sabemos da Europa (e penso aqui sobretudo na Europa Ocidental, a única que conheço). Não existe um ethos propriamente europeu que seja equiparável. A solidariedade? Duvido. Somos assim tão solidários na Europa? Ou, se existe um ethos, não é de adesão, como sucede nos Estados Unidos, mas de reivindicação. Enquanto os americanos percebem que têm de se adaptar o mais possível às regras porque as alternativas são piores, os europeus reivindicam, subvertem e desconfiam. Nuns casos, pretendem substituir regras por outras, as suas. Noutros, como é frequeente na Europa do Sul, até pensam que não vale a pena cumprir regras, uma vez que quase ninguém as cumpre.
Há muitos aspectos disfuncionais na sociedade americana e não pretendo ignorá-los. Mas este ethos existe mesmo e basta andar pelas ruas de uma cidade americana para perceber que, mesmo na pior crise desde 1929, eles vão sair daqui depressa.
O conceito de liberdade nos EUA é dúbio. Uma coisa é pensar que se é livre e outra é sê-lo efectivamente. O controlo pode ir muito além da percepção individual de cada um.
ResponderEliminarMas não há dúvida que o nacionalismo lá existente ajudou a ultrapassar inúmeras barreiras, o problema é que com tamanha grandeza também sofreram povos de muitos outros países (como ainda sofrem).
Quanto à Europa, ela está dividida em demasiadas partes. E segundo Krugman, só numa integração forte se podem tomar medidas económicas que a todos beneficiem e isso está longe de se verificar na Europa: o fosso entre Sul e Norte é abismal.
Cumprimentos e boa semana.