A crónica que abaixo publico, da autoria de Fernando Dacosta, já tem mais de um ano (é de Outubro de 2008), mas apenas agora chegou ao meu conhecimento, por email enviado pelo meu amigo e colega de partido, e portanto de ideias, Victor Magro, de Castelo Branco.
A crónica fala por si, mas a este exemplo de honestidade e verticalidade, podemos sem dúvida, contrapor a imoralidade e corrupção que graçam por aí. Sem querer insinuar mais do que as minhas palavras deixam transparecer, esta crónica, com a atitude de Ramalho Eanes nela revelada, demonstra bem porque razão homens políticos como Mário Soares, entre outros, não se deram bem com este Homem durante o exercício comum de funções políticas.
Quando cumpria o seu segundo mandato, Ramalho Eanes viu ser-lhe apresentada pelo Governo uma lei especialmente congeminada contra si.
O texto impedia que o vencimento do Chefe do Estado fosse «acumulado com quaisquer pensões de reforma ou de sobrevivência» públicas que viesse a receber.
Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedindo-se de auferir a aposentação de militar para a qual descontara durante toda a carreira.
O desconforto de tamanha injustiça levou-o, mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há pouco, se pronunciaram a seu favor.
Como consequência, foram-lhe disponibilizadas as importâncias não pagas durante catorze anos, com retroactivos, num total de um milhão e trezentos mil euros.
Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu, porém, prescindir do benefício, que o não era pois tratava-se do cumprimento de direitos escamoteados - e não aceitou o dinheiro.
Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo, no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados.
As pessoas de bem logo o olharam empolgadas: o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de ânimo em altura de extrema pungência cívica, de dolorosíssimo abandono social.
Antes dele só Natália Correia havia tido comportamento afim, quando se negou a subscrever um pedido de pensão por mérito intelectual que a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situação económica da escritora, atribuir-lhe. «Não, não peço. Se o Estado português entender que a mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a. Mas pedi-la, não. Nunca!»
O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deveria, pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e primeiras páginas de periódicos) explica-se pela nossa recalcada má consciência que não suporta,
de tão hipócrita, o espelho de semelhantes comportamentos.
“A política tem de ser feita respeitando uma moral, a moral da responsabilidade e, se possível, a moral da convicção”, dirá. Torna-se indispensável “preservar alguns dos valores de outrora, das
utopias de outrora”.
Quem o conhece não se surpreende com a sua decisão, pois as questões da honra, da integridade, foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, solitário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta - acrescentando os outros.
“Senti a marginalização e tentei viver”, confidenciará, “fora dela. Reagi como tímido, liderando”.
O acto do antigo Presidente («cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum», como escreveu numa das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos) ganha repercussões salvíficas da nossa corrompida, pervertida ética.
Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o bastão de Marechal) preservou um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos - condição imprescindível ao futuro dos que persistem em ser decentes.
Sem hesitar, o visado promulgou-o, impedindo-se de auferir a aposentação de militar para a qual descontara durante toda a carreira.
O desconforto de tamanha injustiça levou-o, mais tarde, a entregar o caso aos tribunais que, há pouco, se pronunciaram a seu favor.
Como consequência, foram-lhe disponibilizadas as importâncias não pagas durante catorze anos, com retroactivos, num total de um milhão e trezentos mil euros.
Sem de novo hesitar, o beneficiado decidiu, porém, prescindir do benefício, que o não era pois tratava-se do cumprimento de direitos escamoteados - e não aceitou o dinheiro.
Num país dobrado à pedincha, ao suborno, à corrupção, ao embuste, à traficância, à ganância, Ramalho Eanes ergueu-se e, altivo, desferiu uma esplendorosa bofetada de luva branca no videirismo, no arranjismo que o imergem, nos imergem por todos os lados.
As pessoas de bem logo o olharam empolgadas: o seu gesto era-lhes uma luz de conforto, de ânimo em altura de extrema pungência cívica, de dolorosíssimo abandono social.
Antes dele só Natália Correia havia tido comportamento afim, quando se negou a subscrever um pedido de pensão por mérito intelectual que a secretaria da Cultura (sob a responsabilidade de Pedro Santana Lopes) acordara, ante a difícil situação económica da escritora, atribuir-lhe. «Não, não peço. Se o Estado português entender que a mereço», justificar-se-ia, «agradeço-a e aceito-a. Mas pedi-la, não. Nunca!»
O silêncio caído sobre o gesto de Eanes (deveria, pelo seu simbolismo, ter aberto telejornais e primeiras páginas de periódicos) explica-se pela nossa recalcada má consciência que não suporta,
de tão hipócrita, o espelho de semelhantes comportamentos.
“A política tem de ser feita respeitando uma moral, a moral da responsabilidade e, se possível, a moral da convicção”, dirá. Torna-se indispensável “preservar alguns dos valores de outrora, das
utopias de outrora”.
Quem o conhece não se surpreende com a sua decisão, pois as questões da honra, da integridade, foram-lhe sempre inamovíveis. Por elas, solitário e inteiro, se empenha, se joga, se acrescenta - acrescentando os outros.
“Senti a marginalização e tentei viver”, confidenciará, “fora dela. Reagi como tímido, liderando”.
O acto do antigo Presidente («cujo carácter e probidade sobrelevam a calamidade moral que por aí se tornou comum», como escreveu numa das suas notáveis crónicas Baptista-Bastos) ganha repercussões salvíficas da nossa corrompida, pervertida ética.
Com a sua atitude, Eanes (que recusara já o bastão de Marechal) preservou um nível de dignidade decisivo para continuarmos a respeitar-nos, a acreditar-nos - condição imprescindível ao futuro dos que persistem em ser decentes.
Na altura que este texto saiu tive a oportunidade de endereçar uma carta pessoal ao General Ramalho Eanes, alertando-o para o facto de apesar de eu entender a genese da sua atitude, temia tratar-se de um erro absoluto.
ResponderEliminarTendo em conta as pessoas que gerem os dinheiros do estado da forma como sabemos, este dinheiro poderia ter sido entregue a instituições de caridade social que tanto necessitam de meios.
Agradeceu-me a sugestão e a carta, justificando-se que o principio se impunha, mais do que a lógica. Fiquei com a nitida sensação de se tratar de um homem deslocado do tempo em que vive.
Já quando o tinha conhecido pessoalmente, num jantar que tive a oportunidade de partilhar, com ele e amigos comuns, me tinha apercebido de estar a tratar com uma pessoa, do tempo em que ainda havia homens sérios em Portugal.. fiquei com a ideia que pudesse ser mera impressão minha, até ele nos esfregar a todos com o mais ascético desprezo pelo vil metal, bem no meio das nossas trombas mediáticas e nos deixar literalmente a falar sozinhos... infelizmente como sabemos estes MODELOS DE ATITUDE já não estão onde deviam estar, e para os que ainda vivem já não há peças sobressalentes, porque estes modelos já foram descontinuados há muito tempo...
Bem, é preciso coragem para um acto deste tipo. O General Eanes sempre me pareceu um homem honrado e sério, veio provar que realmente tem essas qualidades mesmo já estando afastado da vida pública.
ResponderEliminarVê-se logo que é da Madre Deus este homem!!!E mais não digo!
ResponderEliminarCaro Duarte Oliveira seja bem vindo à textura.
ResponderEliminarNão sei se o seu comentário é positivo ou negativo em relação a Ramalho Eanes e à sua atitude, mas posso esclarecê-lo caso não o saiba ainda, que ele apenas mora na zona que disse, porque o General é natural de Alcains, uma vila na Beira-Baixa, terra das fábricas Lusitana, que produzem a farinha Branca de Neve, e dos caros fatos da Dielmar.
Caro Sérgio Bernardo,
ResponderEliminarPosso elucidá-lo quanto à natureza do meu comentário, assumindo desde já que foi pela positiva, pois também lá morei muitos e bons anos e possuo especial apreço pelo supra-citado local. Mas também em mim se me despertou uma dúvida acerca do seu comentário. Nunca me considerei intelectual, mas burro também não me considero, e de facto fiquei um pouco desapontado com a minha capacidade de raciocínio quando me dei conta de que me foi impossível descortinar a interligação entre o meu comentário (fosse ele de natureza positiva ou negativa), e a sua resposta ao mesmo. Nasceu em Alcains, que é na Beira-Baixa, onde grassam as Fábricas Lusitanas, que produzem a farinha Branca de Neve, e dos caros e luxuriosos fatos Dielmar, e apenas por estes motivos (como está espelhado no seu comentário) mora na Madre Deus? Não percebi a associação de ideias, claramente tive uma falha de sinapse no cérebro, ou então existe um outro qualquer motivo que me regozijaria muito descobrir...um abraço a todos
Caro Duarte
ResponderEliminarA minha mãe também é de Alcains, e uma boa parte da minha família ainda mora lá. Só quis dar um pouco de destaque a essa vila, onde nasceu essa ilustre e por mim sempre elogiada personalidade.