domingo, 17 de janeiro de 2010

Diálogo


- Dizes também que não sabes viver sem que os sons te invadam a sonolenta mente? Porque dizes isso? Onde podes encontrar um silêncio que te responde a todas as dúvidas que precisa de burburinho que te leve o pensamento. São sons, mas são também vento e cores e coisas que se dispersam na mente sem que nada faça sentido. Não consegues ir de fio a pavio. Não consegues assim. Não insistas. Esse não é o caminho.

- Qual é o caminho então?

- O caminho é aquele que te leva do silêncio ao céu, que te arranca da estrada larga e te leva por lugar estreito, onde espreitas água que parece parada e de repente salta, salta para a vida. Esse caminho desagua, tal corrente, numa estreita porta, pequenina e humilde, onde muitos passaram, um dia desejo eu passar e contigo passar também.

- Não quero ir por aí, escolho um outro momento e instante. Desejo um arranque diferente, uma experiência mais real. Quero ver e sentir, agora, hoje, no momento, não sou de aforrear, sou de esbanjar e quero esbanjar vida, muita vida, quero por isso dar-me, ser, enlouquecer e depois esquecer, para me lembrar do bom, assumir outra escada, outro degrau.

- Não erres. Não prossigas. Esse caminho é bom, delicioso, mas é também falso, efémero, superfulo, leva à morte e quebra a vida. Não é dom essa vida, é privilégio dado, é apenas graça esse tempo, por isso é teu sem o ser, é para ti mas para dares, ao dares irás ganhar, receber mais, o que desejarás por fim dar, compartilhar e assim multiplicas vida, não a gastas.

- Pois essa é a tua visão do pequeno mundo em que mergulhas, sentes que estás perdido mas sabes sempre onde é o norte e o porto é seguro. Mas eu quero a tempestade, andar ao vento, sentir as rajadas, levar bofetadas. chorar hoje e rir amanhã, embriagar-me no ser de outrem, encontrar-me na vida de alguém que aos poucos a minha leva, estancando depois a ferida. Sim quero ser hoje alguém, e amanhã outro ser, quero encontrar caminhos, pois não suporto a ideia de um só ser.

- Nada mais te posso dizer a não ser alerta, estende-te ao comprido e deita-te na cama que fazes, mas acorda antes que o final suspiro exales, para que, nem que seja tangentemente, ao caminho voltes, o passo dês e a porta atravesses, pois a linda música de hoje, pode ser o horrível ruído amanhã. Não te deixes levar pelo turpor, nem oiças demais aquilo que te parece ser a tua razão, pois entre o céu e a terra tantas coisas há, que os olhos não vêm e a mente não alcança, mas há um, um só que esquadrinha, que conhece, que vê todas essas coisas. Alerta mente, não te deixes enganar, não sabes tudo.

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