terça-feira, 16 de junho de 2009

Soares e a ingovernabilidade


O antigo Presidente da República Mário Soares é uma figura que conquistou o seu lugar na história de Portugal, para uns por más razões, para outros pelas melhores possíveis. Senhor da fundação do Partido Socialista deseja ver neste ainda um arauto da esquerda democrática, de onde este PS há muito se deslocalizou, apesar das tiradas mais ou menos esquizofrénicas de franjas da militância, ou dos dirigentes motivados por razões meramente contextuais.
Mário Soares continua assim a ver o mundo pintado em tons de rosa e laranja, como se Portugal tivesse sofrido de um tratado de Tordesilhas, dividindo o país entre estas duas grandes potências políticas, desdenhando de tudo o resto. Além disso vê fantasmas onde estes não existem, procurando agora encontrar a luz para a saída de uma negritude repentina na pessoa de Obama, a quem constantemente se refere numa atitude de adoração do Messias completamente descabida.
O ex-PR ainda se revê em rótulos desadequados e antiquados de direita e esquerda, que muito honestamente me parecem absolutamente relegados para os compêndios de história. Mas a arrogância roça os limites do cúmulo, pois o respeito democrático pelos povos é algo de que MS várias vezes já demonstrou não ter. Em recente texto publicado no Diário de Notícias MS escreve o seguinte:

Com a União Europeia, paralisada e governada, sobretudo, à direita, é difícil imaginar a mudança que se impunha.

É por demais evidente que Mário Soares não perceba que os povos da Europa decidiram apostar nos partidos mais conservadores para os representar a nível europeu, concluindo daí que isso leva à paralisia. O respeito pelo poder do voto é nenhum e pior ainda é não conseguir perceber o porquê. Na minha análise o facto dos partidos mais conservadores terem vencido as europeias deve-se a que estes são identificados como defendendo atitudes políticas europeias de maior defesa dos interesses nacionais, enquanto os partidos socialistas se mostram mais federalistas e dispostos a abdicar muito mais de certas autonomias nacionais, o que em alturas de incerteza e crise como a que vivemos leva o eleitorado a procurar defender-se
.
Embebido continuamente de um espírito dualista direita-esquerda MS vê estarem a levedar-se na Europa certas alternativas de esquerda que, mais dia menos dia, tomarão conta dos países europeus:


As forças de esquerda estão, por toda a parte, a levedar no sentido de uma mudança que, no entanto, não será para já. Muitos talvez o não tenham percebido ainda.

A verdade, a grande verdade que MS e o PS não querem encarar é que, se existem forças de esquerda em crescimento, este é fruto da crise e do facilitismo social com que essa mesma esquerda propõe resolver a crise, mas as forças que efectivamente crescem nesse espectro estão longe de serem do socialismo democrático tão amado de Soares. Na verdade forças trotzkistas como o BE, apesar de toda a retórica, não são forças democráticas, nem tão pouco respeitadoras de princípios simples como o direito à propriedade privada. Estas crescem, mas este não é um sinal de esperança, é sim um sinal de grande preocupação.
Analisando os resultados eleitorais do PS nas europeias MS afirma o seguinte:

A meu ver, o mais importante - e urgente - é recuperar os votos perdidos na abstenção, em votos brancos e nulos e nos que fugiram, dispersos, para outros partidos, por estarem descontentes com a crise global, importada, e talvez, também, pela maneira como o PS tem lutado contra a crise.

Acho particularmente interessante a última parte "
pela maneira como o PS tem lutado contra a crise". Que mal pergunte que forma tem sido essa? Efectivamente, espremendo tudo o que o governo socialista tem apresentado em termos de programas para acabar com a crise os efeitos têm sido zero, nada, pelo que se começa a tornar gritante a absoluta incapacidade do PS apresentar ideias e alternativas que realmente possam fazer a diferença no combate à crise. Soares vê que da abstenção, aos nulos e brancos e aos votos no BE e CDU, existem votos perdidos do PS. Provavelmente tem razão, a questão é se, com medidas inúteis e em plena campanha eleitoral, conseguirá o governo tirar algum coelho da cartola que leve essas pessoas a recuar no seu sentido de voto.
Outra pérola de Soares:

Compreender os sinais que o eleitorado soberano quis dar aos partidos, porque está descontente com todos - embora com o PS, em especial, por ser Governo e, em primeiro lugar, com o primeiro-ministro, José Sócrates, que a comunicação social e os outros partidos, sem excepção, converteram, sistematicamente, no "bode expiatório" de todas as dificuldades e males que nos afectam.

Gostaria de destacar esta parte "
descontente (...) com o primeiro-ministro, José Sócrates, que a comunicação social e os outros partidos, sem excepção, converteram, sistematicamente, no 'bode expiatório' ". MS entra na auto-comiseração de Sócrates e alimenta o Calimero-Sócrates, fazendo-o passear-se mais um pouco por aí, como se apenas com o actual Primeiro-Ministro a comunicação social e outros partidos pedissem contas ao governo das suas decisões. É inédito isto? Claro que é, para o seu próprio umbigo.
Continuando o seu texto, o ex-Presidente entra por uma incursão estranha, num mundo ainda mais estranho, onde ele encontra ainda uma capacidade ao PS de Sócrates a capacidade de enfrentar a crise, como se não estivesse no governo e ainda tivesse de ser alternativa. Veja-se:

E explicar, por forma muito clara e sintética, quais as soluções alternativas que apresenta para "vencer a crise" e como pode ajudar, efectivamente, os portugueses, sobretudo os mais pobres e desfavorecidos - os trabalhadores, os desempregados, os pobres, os idosos, os jovens, privados do primeiro emprego, os imigrantes, os pequenos e médios comerciantes falidos, as classes médias em vias de pauperização - mas também as classes profissionais, enfermeiros e médicos, professores, magistrados em começo de carreira, polícias, baixas patentes nas forças armadas, funcionários, etc. E como ajudá-los em concreto - e por forma isenta - quer o Governo quer o partido que o apoia a serem menos afectados pela crise global, que está longe de terminar. Para isso é preciso uma estratégia com uma linha de rumo clara e novas ideias.

Vemos por este trecho que MS não consegue perceber que, principalmente em relação às classes profissionais, o governo tem hostilizado as mesmas. Esses mesmos pequenos e médios comerciantes, enfermeiros e médicos, professores, magistrados,têm sido tratados como bandidos exploradores e cheios de regalias indecentes. Se em certos níveis se impunha um acerto claro no funcionalismo público, a hostilização, realizada através de uma depreciação intensa da imagem dessas classes para depois as enfrentar e lhes reduzir direitos, parece-me uma atitude no mínimo de falta de carácter. É necessário pois que MS olhe de frente para a realidade e perceba que a ingovernabilidade do país com que este acena, como perigo eminente, decorrente dos resultados das europeias, foi provocada pela forte incapacidade do governo em dialogar, quer com as classes, quer sobretudo com os cidadãos, explicando, não denegrindo, a razão das adaptações que se pretendem fazer. PS e Sócrates tornaram este país num lugar ainda mais deprimido, o que o discurso da ilusão optimista do governo não consegue contrariar.

Onde quer Soares chegar com estas palavras:

Por outro lado, importa ouvir e dialogar - o mais tardar até meados de Julho - com os sindicatos, as comissões de trabalhadores, as associações ambientais, de direitos humanos, de consumidores, etc.

Para depois dizer:

Não se trata de estabelecer acordos, mas tão-só de os ouvir - para perceber - e de confrontar soluções, alternativas e políticas possíveis.

Veja-se bem que não se trata de ouvir para mudar, para tirar conclusões, trata-se de ouvir para ficar tudo na mesmo, ou seja, ouvir não ouvindo. Continua depois com este namoro indecoroso:

No mesmo sentido, acharia também útil que se ouvissem os partidos de esquerda - o Bloco de Esquerda e a CDU - não para fazer acordos, antes ou pós-eleitorais, não é tempo disso, mas para compreender como vêem o futuro próximo, que é bem possível, se houvesse uma nova derrota do PS, ficasse bem mais negro do que está.

Como se ainda houvesse esperança na esquerda e em especial no PS, ao contrário daquilo que é a sensibilidade da generalidade dos cidadãos por essa Europa fora MS diz:

Pelo contrário, um acordo do PSD com o CDS/PP será possível, ainda que não creio que possa ser maioritário. E se fosse seria mais do mesmo...

Por fim vem o papão, vem o susto, o medo, aquilo que for, acenando com o monstro da ingovernabilidade, não percebendo que esta já está instalada e que a alteração, não a alternância, porque nisso já não acredito, mas sim a alternativa, a aposta em movimentos novos, com gente nova, com ideias novas, políticas novas torna-se por isso no mínimo irritante esta amedrontamento que MS pretende apresentar.

a probabilidade de, nas próximas eleições legislativas, Portugal se poder tornar ingovernável é alta e perigosa, para a democracia e para o nosso futuro colectivo. É nisso que o nosso eleitorado, que sempre deu mostras de ser sensato, deve agora reflectir.

Esperemos que a sensatez dos eleitores se demonstre, não tanto apenas por castigar o PS, mas por valorizar novas propostas e ideias. Lembro-me sempre da lufada de ar fresco democrático que foi o PRD de Eanes, que de repente passou de zero a cerca de 20 deputados, de uma forma verdadeiramente entusiasmante. Esperemos que se comece a criar em Portugal uma alternativa de novos partidos e movimentos que venham substituir efectivamente os velhos partidos. Já tiveram o seu tempo. Chega, venham novos partidos com novas ideias.

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