terça-feira, 23 de junho de 2009

Por 5%


A época de crise económica em que vivemos tem muitas particularidades. Uma delas é que actividades extremamente competitivas entram em fricção de uma forma ainda mais intensa, levando a uma descarga, a uma pressão, procurando essas empresas formas de se tornarem sempre e cada vez mais competitivas. Além dessa pressão, existem certas actividades onde o decair da compra do produto dessa actividade ainda faz agravar mais as circunstâncias.

Estou a pensar especificamente no mercado, ou melhor, na indústria automóvel. Competitiva ao extremo porque a capacidade instalada de produção das empresas é muito superior à procura, com a quebra forte que o mercado sofreu, tem uma dupla fonte de pressão competitiva: a concorrência e a quebra de encomendas.

Assim a ordem de sobrevivência para umas - como a GM, a Chrysler, a Opel - ou a de redução de custos operacionais para outras - como a Fiat, a Volkswagen, a Toyota, etc. - leva a que os responsáveis da gestão das empresas procurem onde podem poupar cada tostão, de uma forma ainda mais empenhada do que já era habitual.

Olhando para esta crise a verdade é que muitas empresas procuram ir mais além e vêm na crise uma oportunidade de alcançar compromissos sociais com os trabalhadores, reduzindo salários, aumentando períodos laborais, reduzindo regalias várias, tudo em nome da redução de custos e da sobrevivência face a uma feroz concorrência.

Isto é o que efectivamente está a acontecer na Autoeuropa. Os líderes dos partidos da esquerda mais populista (BE e PCP) e das centrais sindicais (UGT e CGTP), andaram hoje ao estalo para tentarem culpar um ao outro pela falha da aprovação do acordo laboral na fábrica. Acontece que nenhum deles tem efectivamente razão.

Da experiência de 10 anos que tive naquela fábrica, onde trabalhei na linha, no duro, na Montagem Final, o que aconteceu ali não foi mais do que um suspiro, um exclamar de basta!

Porquê?

Quem conhece a realidade da produção de uma fábrica de automóveis sabe que o trabalho ali é muito duro. São oito horas de verdadeira "correria" em que nada se compadece com dores ou indisposições. A linha tem de andar e pronto. Quando alguém tem vontade de ir à casa de banho, seja esta forte ou não, tem de acender uma luz amarela, que tem junto ao seu posto de trabalho e esperar que alguém venha substituir. Mas quando vem alguém apagar essa luz, normalmente a pessoa não vai logo à casa de banho, ouve sim algo do género "tens dois à tua frente" e tem de ainda esperar mais vinte minutos, meia hora para se poder aliviar. Mais ainda, a linha faz dois intervalos, para além da meia hora de refeição, um pela manhã, outro pela tarde. Esses intervalos são de sete minutos, leu bem sete minutos, onde uma pessoa tem de comer, ir à casa de banho e quem fuma de fumar. A linha pára e a linha arranca, tudo automaticamente e não se compadece com atrasos. É brutal. Além disso tudo a pressão sobre os trabalhadores devido à qualidade é enorme. Depois ainda há as equipas de engenharia a estudar constantemente os postos de trabalho para perceber como podem cortar movimentos, compactar trabalho e reduzir esses mesmos postos. É intenso e muito duro.

Ao longo dos anos a AE tem colocado sempre cenários muito negros aos trabalhadores, induzindo-os sempre a aceitarem condições mais difíceis e flexibilidades imensas, por forma a que fossem sempre garantidos os postos de trabalho e a fábrica pudesse garantir mais modelos. Acontece que ano após ano, todas as cedências têm sido insuficientes e a empresa quer sempre mais. Creio que o pessoal da AE esgotou, chegou ao seu limite, e, não está disposto a continuar a ceder mais da sua vida, do seu tempo, a troco de nada. E quando falo de nada não estou a falar de dinheiro, estou a falar simplesmente da estabilidade que a empresa garantia vir com a cedência anterior, mas nunca chega, há sempre mais uma cedência, mais uma perca de qualidade de vida, há sempre algo mais a tirar. Mas a estabilidade, a segurança laboral, uma pequena consideração da empresa, em considerar que agora, nesta época de crise, escudará os trabalhadores, em contrapartida de tantas cedências, nunca vem, nunca chega, absolutamente nada a não ser mais ameaças, mais pressão, exigência de mais cedências. E isto a Comissão de Trabalhadores até pode ver, mas tem de se manter na sua, embora por vezes seja colocada internamente em causa a sua lealdade: se esta é para com a Administração, para com o BE ou para com os trabalhadores. Pois, os sindicatos ali pouco ou nada dizem, a CT abrange tudo e negoceia à margem destes. A maioria dos seus membros são do BE e os restantes são do PCP. Existe sempre uma guerra interna entre estes, mas o PCP sai sempre a perder. E bem, porque o pragmatismo necessário, que por vezes é necessário, estes senhores não têm. Mas o BE também não sai bem, porque se a esquerda deles é a da CT, é mais neoliberal do que certos sectores do PSD. Mas enfim não quero continuar por aí.

O que quero desmascarar é que esta confrontação que a Administração tem produzido com os trabalhadores é mero oportunismo. A empresa nunca poderia ser colocada em causa apenas pelo custo da mão de obra. Na Autoeuropa a mão de obra representa cerca de 5%, veja bem, leia bem, 5% dos custos operacionais da empresa, logo esta questão dos sábados será 0,0000xxx%, muito, muito pouco para tanta discussão. Claro que para os trabalhadores é significativo, porque traz para si a obrigatoriedade de fazerem anualmente seis sábados. Não é trabalho extra porque não é pago, não é por vontade própria, é obrigatório, ou seja é acrescentar mais um dia à jornada semanal de trabalho, algo que a maioria das pessoas não aceitaria nos seus empregos. Isto retira qualidade de vida, tempo de descanso, tempo de estar com a família. Mas esta demagogia é irritante e a cegueira dos governantes que não denunciam isto é incomodativa.

1 comentário:

  1. É Bom saber estas coisas por quem as conhece por dentro! Parabéns pelo esclarecimento apoiado num Saber, e em sangue, suor e...

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