A nossa sociedade vive uma crise de valores. Esta é uma afirmação comum, ouvida de muitos quadrantes, a respeito dos mais diversos assuntos. Falamos em valores morais, valores éticos, valores culturais, valores humanos, valores sociais, valores democráticos, valores filosóficos. Em geral quando se fala de valores, pretende-se fazer uma afirmação de princípios condutores, de ideais que, sendo quase verdades por si só, devem pautar a conduta de um determinado indivíduo, ou grupo de indivíduos.
A falta de valores que habitualmente ouvimos falar deve-se sobretudo à noção, quase unânime, de que não se consegue perceber a conduta, o sentido do agir das pessoas. É de aceitar que todos desejamos ter alguma estabilidade, sentimos a necessidade de perceber as outras pessoas, de conseguirmos, dentro de um mínimo possível, entender quais os limites da actuação humana. Onde conseguimos ir, o que conseguimos fazer, o que não nos é possível executar, o que já ultrapassa o aceitável para cada um. Esta necessidade advém de uma outra, essencial para o ser humano, a de se socializar, de se relacionar, de estabelecer e manter um contacto, uma intimidade, uma cumplicidade com outros seres humanos. Os valores servem para regular um pouco estas relações, sejam entre colegas, seja entre marido e mulher, seja entre pais e filhos, seja entre amigos, seja entre patrões e empregados, seja simplesmente entre seres humanos em geral. Numa sociedade fala-se portanto em valores sociais. Valores que pretendem balizar como as relações sociais se estabelecem, mantém e se quebram. Tudo, supostamente, dentro do enquadramento desses valores. Com esta perca, a base que permite entender o estabelecer e manter as relações sociais perde-se, trazendo consigo uma despoletar de inseguranças e uma sensação de desnorte que, creio, em muito tem contribuído para a degradação da saúde mental das sociedades do século XXI.
O restauro de valores sociais, com a proposta arrojada de alguns de novos valores sociais, em detrimento dos valores, mesmo estes, condicionados pela velha moral e conduta judaico-cristã, surge cada vez mais no centro das preocupações de muitos, devido à consciência do fundamento essencial que a sua existência é. Na verdade a discussão sobre a necessidade e a definição de valores, está cada vez a alastrar mais, com os valores da ética e dentro desta da bioética, no topo dessas mesmas preocupações. É essencial assim saber até onde os profissionais, as famílias, as sociedades podem ir na interferência que fazem na vida do indivíduo, com a essencial busca de uma verdade, sempre contestada. Embora me considere cristão, e seja defensor desses valores, creio ser crucial entender o dinamismo que os conceitos e valores de regulação social devem ter, no sentido de se encontrar sempre, mas sempre, uma base que permita, respeitando as diferenças, encontrando o comum, se estabeleça o relacionamento, e, dentro dos limites aí encontrados.
Estamos num momento em que a desconstrução social exige um ponto de reinício, uma busca, que se sente cada vez mais como essencial, dos valores que irão regular as sociedades do século XXI. Tentando fugir às tentações moralistas nos valores sociais, as propostas e as intervenções nestas matérias, procuram, com alguma inevitabilidade, a volta aos fundamentos de uma sociedade que, querendo-se moderna, sente a necessidade de princípios, dito de outra forma, de valores, de padrões, em fim, de segurança.
Aqui surge a política, como actividade naturalmente dedicada à governação das sociedades humanas. A Política é, dada a sua ligação concreta aos centros de poder, com o acesso às influências e dinheiros que isso traz, é particularmente sensível à variação de valores, e assim, à perca, indefinição ou valorização dos mesmos. Dada a sua penetração nas actividades humanas, tendo em conta que é dedicada, ou pelo menos deve ser, à criação de riqueza e de qualidade de vida para os cidadãos, a política é uma actividade eminentemente "relacional", de ligação, de criação de empatias, de negociação, de jogos de poder. Importa assim entender a política como uma actividade onde os valores sociais, são fundamentais para a prossecução do básico dos seus objectivos - que não é a perpetuação de um determinado grupo ou partido no poder, mas sim, como já dito, a melhoria da vida dos governados.
Tal como na sociedade os valores na política perderam-se, e, essa ausência originou vícios, dependências. Os regimes democráticos, mas em particular o nosso, viu-se abandonado, abandalhado, trocado por um parente pobre, um regime partidário, trocado por uma partidarite, ou partidocracia, onde todos os valores sociais, cruciais na política, foram substituídos por um único: o interesse grupal em perpetuar a dependência vital do Orçamento de Estado, fonte de vida e razão de ser dos aparelhos partidários.
A degradação atingiu um tal ponto que o dado por adquirido, o ter direito, substituiu definitivamente o merecer, o fazer por isso de outros tempos. Claro que ninguém quer voltar a um tempo em que a fome aumentava o engenho, estou a falar de um tempo em que as pessoas eram comparadas, não pelas trafulhices, pelas influências obscuras que moviam, mas pela integridade, pela sinceridade, pela honestidade com que desenvolviam as suas actividades.
Assim importa reconstruir a nossa sociedade e em particular o nosso regime democrático e a sua credibilidade, clareza e transparência. Sendo assim importa voltar a trazer valores para a política.
O Movimento Mérito e Sociedade propõe a entrada de novos princípios na política, sendo destes o mais concreto, e talvez o mais essencial, o princípio do Mérito. A defesa da implementação de uma sociedade meritocrática, onde o mérito enquanto fonte de comparação entre iguais - não de discriminação, não de degradação, não de segregação, não de destruição, não de humilhação, não de desvalorização - sim de comparação, separando quem merece de quem não merece, surge como proposta essencial.
Esta sociedade meritocrática reflectir-se-ia em que, por exemplo, na função pública, ninguém progrediria na carreira apenas por antiguidade, mas sim pelo mérito do seu trabalho. Consciente de que por si só a instauração de um regime meritocrático não resolve todos os problemas, embora seja uma base importante, há que ter consciência de que isto só é possível funcionar numa sociedade onde uma grande mudança de mentalidades tenha existido. Funcionamentos corporativistas, colectivistas, entre outros, não têm lugar aqui, o que muita gente não consegue entender. Até porque o facilitismo ataca, pois é muito mais fácil eu ter direito a, do que merecer algo.
A falha deste sistema meritocrático está também na natureza humana, especialmente em Portugal, onde a cultura da "cunha", dos "conhecimentos", dos "arranjinhos", se encontra tão enraizada. Esta cultura destrói toda a proposta de sociedade meritocrática pela sua base: o sistema de avaliação e aferição desse mesmo mérito. Isto porque são pessoas a avaliar pessoas, e se, a subjectividade é um mal essencialmente humano, o qual não conseguimos nunca ultrapassar, aceitando esse risco num sistema meritocrático, o mal maior está no facto de essa avaliação poder ser manipulada, adulterada por factores de "cunha", corrupção, amiguismo, entre outros, que aniquilariam a meritocracia. Porém o reconhecimento da absoluta necessidade de uma justiça meritocrática em substituição da situação actual, leva-nos a pensar em como minimizar o impacto da natureza corrupta do ser humano, nesse mesmo sistema de mérito. A minha resposta é tornando o mérito num valor social.
Tornar o mérito num valor social. O Mérito como valor social.
A educação para o mérito, métodos de avaliação o mais rigorosos possível, promover uma cultura de mérito, disseminar a noção de mérito, o valor da comparação pelo padrão mais alto, em fim uma disseminação social do conceito, iria ser o factor crucial para uma sociedade de valores e de qualidade de vida do século XXI. O princípio é simples, um sistema feito de pessoas e para pessoas, em que umas avaliam outras, apenas com sólidos valores de formação pessoal, transmitidos socialmente, emanantes de uma sociedade nova, moderna, de novo com valores - apesar de dinâmicos - bem marcados, poderá reduzir a nociva intervenção da humana natureza nesta engrenagem social.
Assim a proposta de promover a avaliação do mérito como prática e o valor social do mérito enquanto padrão de relacionamentos, tornam-se cruciais se queremos construir em Portugal uma sociedade de elevada qualidade de vida. Creio mesmo que será o futuro da humanidade.
O mérito é mesmo um dos novos valores sociais do nosso século, o qual, não tendo ainda recebido como tal, existem já vozes, poucas ainda, que já o anunciam e o propõe à sociedade, ao nosso povo.
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