quinta-feira, 14 de maio de 2009

Separação de Poderes ou A Necessidade de Maiorias Absolutas


Tem-se debatido nos últimos tempos a necessidade de, em Portugal, um partido governar em maioria absoluta. Claro que para os partidos habituados a formar governo essa necessidade é óbvia, vital. Claro que os outros partidos discordam, alvitram a necessidade de se controlar melhor o governo, de não o deixar de rédea solta, defendendo por isso que o vencedor das eleições governe com maioria relativa, ou com o apoio de uma coligação, ao abrigo de um acordo pós eleitoral.

Não pretendi deambular pelas artificiais conjecturas de uma remota possibilidade de coligação de Bloco Central. Quero-me concentrar sobre uma abstracta necessidade da existência ou não desse tipo de sistema governativo.

Segundo os defensores da necessidade de maiorias absolutas, estas justificam-se especialmente em tempos de crise, seja a actual, seja outra futura, orçamental, financeira, nacional ou internacional.

O valor exacerbado que os partidos tradicionais da governação portuguesa atribuem às maiorias absolutas no parlamento é explicada por uma imensa necessidade de apoio parlamentar ao governo. A impressão deixada aos portugueses é de que, sem um forte apoio parlamentar, o governo não consegue levar a bom porto os seus objectivos. É afirmada a total necessidade do parlamento estar unido para a aprovação das leis essenciais ao processo legislativo "reformista", que todos alegam desejar empreender. Porém todas estas considerações e afirmações dos partidos tradicionais são apenas uma coisa: mentira.

Eu sei que esta palavra assusta os políticos, que preferem o mais correcto em politiquês "inverdade". Nestas questões os eufemismos têm servido apenas para ludibriar o povo, os portugueses, confundindo-nos, fazendo de uma mentira uma inverdade.

Apesar disso, diga-se em defesa dos nossos políticos que, apesar de não deixar de ser uma mentira estes têm uma atenuante: o nosso sistema político, o nosso regime constitucional, não promove, não define claramente a separação entre o poder executivo e o poder legislativo.

A mentira dos partidos políticos tradicionais reside no facto de que um governo, em Portugal, não necessitar de uma aprovação parlamentar para publicar e tornar efectiva uma lei. Esta, que emana apenas do Conselho de Ministros vai para a Presidência da República afim de ser promulgada. A diferença entre estas leis e outras de iniciativa parlamentar é que, as de iniciativa do governo se forem vetadas pela Presidência morrem ali mesmo, as que vêem de parlamento, se vetadas voltam à Presidência, sendo aí obrigatoriamente promulgadas.

Existem porém algumas leis e documentos que o governo por si só não pode aprovar. Exemplo disso é o Orçamento de Estado, que é apresentado pelo governo mas tem de ser, obrigatoriamente, aprovado pelo parlamento. Mesmo isto não consegue, pelo menos do meu ponto de vista, justificar a necessidade da existência de maiorias absolutas. A questão coloca-se mais no facto dos partidos, que dominam ditatorialmente o sistema político, precisamente por terem esses tiques absolutistas, manterem uma total incapacidade de, dialogando e negociando, seguirem o seu rumo e programa de governo. Pior, fazem disso alarido e desculpa para o facto de não cumprirem as promessas que fazem durante as campanhas eleitorais.

Estamos perante uma encruzilhada, entre a espada e a parede, onde os partidos tradicionais num encurralam.

Há que proceder, com alguma urgência, a uma alteração profunda de regime, sendo crucial uma substancial separação entre o poder executivo e o poder legislativo. Para se fazer isto, a primeira mudança deverá fazer-se ao nível da eleição, quer do governo, quer dos deputados.

Num sistema político com uma separação de poderes efectiva, o governo deverá ser eleito numa votação diferente das legislativas. A minha visão, emanada do manifesto e do programa do meu partido, é de que o governo seja eleito numa lista, conforme acontece em qualquer outra instituição. Torna-se assim evidente que a Assembleia da República deverá ser eleita, numa eleição legislativa, onde, os deputados, eleitos em círculos uninominais, não constituem uma base de apoio ao governo. O Governo dirige o país, e, em leis que necessitam do apoio da Assembleia negociará com esta, devendo toda a lógica partidária ser abandonada, pelo que a disciplina de voto seria proibida.

O parlamento por seu turno, além de manter a sua função de escrutinar, avaliar e fiscalizar a acção governativa, reforça o seu poder legislativo. As leis de iniciativa parlamentar terão de ser negociadas entre os parlamentares até ser encontrado um consenso que garanta a sua aprovação.

Esta forma de organização permite um reforço e uma separação de poderes, onde os papéis não se confundem e onde a proximidade entre eleitores e eleitos sai, igualmente reforçada.

No fundo este é um sistema muito semelhante ao existente nos Estados Unidos, onde o governo, que é eleito separadamente do parlamento (nesse caso em duas câmaras, no nosso numa só), tem o poder executivo. No que necessita o governo negoceia com a Câmara dos Representantes (Congresso e/ou Senado), esta, em comissões fiscaliza a acção governativa, e, produz legislação. Assim se governa a mais poderosa nação do mundo.

Não nos podemos comparar, a nossa realidade é outra, mas por isso também se defende uma adaptação, onde para além de governo e parlamento existe uma outra figura, o Presidente da República, bem como uma redução do número de deputados para um máximo de 100.

Por tudo isto se prova da desnecessidade, se já no regime actual, ainda mais neste apresentado, para que qualquer partido exija uma maioria absoluta, sob o perigo de cairmos no caos da ingovernabilidade. A noção de que temos a necessidade de quebrar com a ditadura dos partidos, mediante uma "revolução inteligente", é assim por demais evidente. Porém entre medos propagados, abstenções recorde, votos nulos e brancos de protesto, a tendência para o voto útil e a imobilidade clientelista da militância partidária, encontramos-nos num círculo vicioso que é muito difícil quebrar.

Apenas com um novo partido, defensor das ideias aqui explicadas, legitimado pela força do voto, contra as amarras do círculo agora descrito, poderemos acalentar uma mudança para melhor.

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