domingo, 8 de março de 2009

Haverá na política tão pouca seriedade e tanto cinzentismo, tantas semelhanças entre tudo e todos os que se envolvem nessa esfera, que deixou de haver


(continuação da pergunta) espaço para a ideologia e para o debate puramente ideológico?

No plano da política nacional o cinzentismo é o tom dominante. Se em tempos idos a demarcação entre os vários partidos dominantes era evidente, actualmente todos os partidos dominantes do sistema se assemelham ou são marcadamente próximos uns dos outros. Analisemos.
Em tempos idos o PSD era um partido que se assumia como de centro-esquerda, um partido de pendor democrata, liberal mas com preocupações sociais marcadas. O PS era uma partido da esquerda democrática, que defendia um modelo de desenvolvimento de democracia socialista, com intervenção estatal e privada em conjunto. À sua esquerda pululavam vários movimentos de extrema esquerda, dos quais se destacam o PCP - marxista leninista, que com a queda do muro de Berlim e a queda do bloco soviético, se descaracterizou, se descredibilizou (porque não se demarcaram nem um milímetro) - o PSR e a UDP - que em conjunto com um movimento mais recente, a Política XXI, deram origem ao Bloco de Esquerda - os maoístas do PCTP/MRPP e do MDP/CDE (este já extinto), entre outros. À direita do PSD apenas existia o CDS, que ainda não era PP, que se assumia como um partido de centro-direita, sendo nessa altura o partido mais à direita de Portugal.
Mas depois tudo mudou.
Com Cavaco Silva o PSD deixou definitivamente o centro-esquerda e tornou-se um partido de centro-direita, ocupando o espaço natural do CDS, que com isso se recente, quase desaparecendo, ficando reduzido ao "partido do táxi". O CDS só ressurgiu com Manuel Monteiro, pois virou à direita, abandonando por completo o centro. Com propostas políticas securitárias e manifestamente anti-europeísta. Nesta altura o CDS torna-se PP e tem o seu melhor resultado, renascendo. Porém, devido a guerrilhas internas as coisas correm mal e Paulo Portas torna-se líder do CDS. Portas tenta trazer de novo o partido para o centro-direita, abandonando o discurso mais radical contra a Europa, entre outros. Nas eleições seguintes este descrédito do partido, bem como o facto de se encontrar de novo no espaço político comum com o PSD fez de novo o CDS/PP perder peso no parlamento.
O PS, ao ver que à esquerda não conseguia conquistar eleitorado, volveu à direita posicionando-se no centro-esquerda, o espaço original do PSD mas que este deixara vago. Progressivamente o PS aproxima-se mais do espectro político do PSD, girando entre o centro-direita e o centro-esquerda, de que é exemplo máximo a governação de Sócrates. Sendo assim ficámos com três partidos a povoar a mesma área de espaço político: o CDS/PP, o PSD e o PS.
Resta analisar a esquerda mais radical, onde apesar das diferenças o cinzentismo também mora. E mora sobretudo devido à cristalização temporal do PCP, que desfasado do tempo, não recupera da perca dos seus referenciais a nível internacional, agitando sempre as mesmas bandeiras, com garras bem fincadas entre o movimento sindical, grande base de firme apoio dos comunistas. Mas eis que surge o Bloco de Esquerda, um partido resultante da fusão de três outras forças partidárias, que se posiciona como um partido de esquerda moderna, o tal espaço que o PCP não foi capaz de ocupar, agregando muitos dos descontentes e desiludidos do comunismo. Porém o Bloco não veio resolver lacuna nenhuma, contribuindo apenas para a continuidade do cinzentismo político português. Porquê? O posicionamento do BE foi como consciência da democracia, querendo ser o principal detractor do sistema político, ficou-se por aí, ficando claro que apenas a posição de grilo falante lhes interessa, devido à consciência que têm de que a sua postura de superioridade moral não poderia prevalecer se tivessem de arregaçar as mangas e trabalhar.
Ficamos com três partidos iguais - o CDS/PP, o PSD e o PS - e com dois partidos sem ligação à realidade, portanto perdidos - o PCP e o BE.
Sendo assim o debate puramente ideológico deixou efectivamente de ter espaço, pois as semelhanças ou a cristalização, não permitem que se debata nesse plano, porque, sendo ideológico, é intrinsecamente de ideias, coisa de que a política em Portugal está notoriamente pobre.
Creio que o debate ideológico é descabido e já não é para o nosso tempo, está obsoleto, por muito fascinante que seja, nem tão pouco estes velhos conceitos de direita, esquerda e respectivas versões ao extremo ou ao centro. O debate ideológico deve evoluir para um debate puro de conceitos, não numa perspectiva unanimista, de tentar unificar e descartar pensamentos divergentes, mas sim para que, havendo uma coesão nos conceitos, se possa discutir a melhor forma de aplicar esses conceitos à realidade, saindo do mundo da ideologia para a prática e a execução.
Não será fácil mudar as mentalidades mas é esse o caminho.

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