quinta-feira, 23 de abril de 2009

Reflexões sobre a bondade da elevação da escolaridade mínima - uma resposta


Tenho-me dedicado muito a acompanhar um blogue que tenho apreciado, o Valor da Ideias, sendo os seus autores de uma área ideológica com a qual não me identifico minimamente. Têm ali sido levantadas muitas questões, sobre as quais tenho reflectido também aqui, a última das quais, num post de hoje, o Carlos Santos fala acerca de Educação, um tema que me é muito caro, até porque tendo dois filhos em idade pré-escolar, pelo que esses assuntos tocam-me intimamente. Neste texto Carlos Santos fala sobre o mais recente anúncio do Primeiro-Ministro, que em mais uma das suas incursões quinzenais no parlamento, anunciou a intenção do governo em aumentar a escolaridade mínima obrigatória para os 12 anos, ou seja até ao final do secundário.
Sendo esta uma medida inevitável, por o próprio desenvolvimento humano do país o exigir mais cedo ou mais tarde, as implicações sobre o emprego são sem dúvida úteis. Creio que as objecções colocadas por alguns sectores da direita referidos por Carlos Santos no seu texto têm, não tanto a ver com a medida em si, mas com a inequívoca sobre dimensão que o nosso Estado efectivamente tem, por muito que os neo-socialistas achem o contrário. As comparações com outros países são por demais evidenciadoras desta realidade, que aprisiona e condiciona, por outro lado, também em muito o desenvolvimento.
Mas o que me suscita maiores dúvidas nesta medida é a sua vantagem, ou melhor dizendo, a sua efectividade, não por ser até ao 12º ano. A existência de uma escolaridade mínima obrigatória até ao 9º ano não interfere em nada nesta minha dúvida. Nem mesmo se fosse só até à quarta classe. Vou tentar explicar melhor o que quero dizer: que sentido faz declarar um determinado nível de estudos como a escolaridade mínima, qual o efeito prático dessa medida. Creio profundamente que o decreto desta medida é inútil, ou seja, a existência de uma escolaridade mínima obrigatória, seja até que ano for, não é consequente, não existem medidas acessórias que tornem esta medida efectiva. Ora vejamos: enquanto a escolaridade mínima obrigatória era de nove anos, quantos jovens abandonavam os estudos ao 7º ano, ou antes, apenas porque atingem os 16 anos (alguns antes), que é a idade mínima para se entrar no mercado de trabalho? Milhares, sim milhares, ou seja o decreto dessa medida não obrigava ninguém a estudar efectivamente até ao nono ano - repito ninguém. Já para não falar que o Estado, por seu lado, também não é consequente com o decretar de tal medida. Isto faz sentido, não sei, mas que a realidade desmente a eficácia de tais medidas, desmente. Não se pode querer viver num país de fantasia onde um decreto inconsequente, por si só, levará a uma mudança de atitudes. Provavelmente deveríamos decretar sim uma alteração no nível mínimo de escolaridade para se entrar no mercado de trabalho, independentemente da idade, ou aumentar a idade mínima para entrar no mercado de trabalho para os 18 anos, o que for, mas haver consequências destas medidas.
Claro que também não posso concordar com uma visão romântica e idealista da escola e da universidade, sem ter consciência de que o esforço do Estado na formação dos seus cidadãos é para que estes estejam melhor equipados para enfrentar e se integrarem no mercado laboral, bem como para alcançarem uma satisfação pessoal pelo conhecimento e a cultura muito superiores, sem que para isso a memória do passado, ou a capacidade de produzir cultura, arte e ciência sejam afectadas, mas numa orientação clara para o desenvolvimento e felicidade humana. Haver uma efectivação do ensino secundário, em cursos concretos, para que todos à saída do secundário tenham um curso profissional, não diminui nem reduz em nada a nossa sociedade, nem tão pouco é impedimento para o estudo e o desenvolvimento de matérias, que aliás considero essenciais, como a literatura, a filosofia ou as artes. Não compreendo a incompatibilidade, reveladora, para mim, de preconceito ideológico de uma má esquerda, tal como o outro extremo, de uma má direita, o que é igualmente grave e até mesmo redutor.
Estamos num momento de viragem, em que o pragmatismo aliado a uma sensibilidade de desenvolvimento do espírito humano, são essenciais, sendo nuclear a noção de que as antigas limitações ideológicas, de direita e de esquerda, são isso mesmo, noções antigas e desactualizadas. O ensino das línguas, das ciências, da matemática, da história, mas sobretudo da filosofia, como meio de desenvolver uma cultura cívica crítica e insatisfeita, são fundamentais, mas sempre, sempre aliadas a um sentido prático que o ensino terá de ter a custo de perder a sua utilidade

2 comentários:

  1. "Já para não falar que o Estado, por seu lado, também não é consequente com o decretar de tal medida."

    O Estado é, em parte, consequente: só se pode trabalhar na função pública e afins com a escolaridade obrigatória

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  2. Isso não é ser consequente, é ser castrador. Ser consequente era o Estado, uma vez que reconhece a necessidade desses níveis educativos, ao ponto de tornar um determinado nível escolar obrigatório, garantiria qualidade e acesso gratuito ao mesmo, incluíndo livros e outros materiais, mesmo até os ATL's existentes nas primárias, são, na sua grande maioria, da iniciativa das associações de pais. Eu que eu quero dizer com consequente é isso mesmo, que vemos até nos países mais liberais, como os EUA, onde mesmo nas escolas públicas as exigências de qualidade e a gratituicidade dos materiais didácticos, incluíndo livros, é absoluta. No entanto isto leva-nos a outras reflexões, como seja o caso de se a gestão das escolas, e até o seu financiamento, se deve limitar à esfera meramente estatal, se não se deverá abrir a privados. Atenção que quando falo de privados não estou a pensar na privatização das escolas, mas sim na sua abertura às instituições da sociedade civil da comunidade local. Naquelas em que houver condições para isso, porque não as transformar em cooperativas ou em fundações, sendo o Estado sempre o garante da qualidade e funcinalidade das mesmas. Mas esta é toda uma outra discussão que não cabe aqui, e, para a qual, tenho apenas ideias abrangentes, não me sentindo, para já pelo menos, com conhecimentos para mais.
    Cumprimentos

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