domingo, 19 de abril de 2009

A vergonhosa partidocracia em que vivemos


Fica aqui uma parte de um texto de Fernando Madrinha, publicado no Expresso. Tudo dito: a nossa Partidocracia no seu melhor.
Palavra que 'faz fé'
Se um deputado faltar uma semana por doença não precisa de apresentar atestado médico. Até cinco dias, a sua palavra "faz fé", diz o regime de faltas do mais moderno parlamento do mundo, segundo Jaime Gama: o nosso.
Quando recomeçar a caça, por exemplo, já nenhum parlamentar precisa de meter baixa com essa finalidade, como há quem tenha dito e feito no passado, expondo-se à mais que justa crítica pública. Basta-lhe ir e comunicar depois aos serviços da Assembleia que esteve doente. A menos que seja visto ou denunciado, tudo correrá pelo melhor. Esta facilidade tem outra vantagem não despicienda: o deputado pode continuar a mentir, fingindo que adoece, mas não obriga o seu médico a mentir também - isto supondo que os médicos que passam falsos atestados têm algum problema de consciência quando mentem para facilitar a caça ou outros prazeres a um deputado amigo e/ou seu paciente.
Este privilégio choca frontalmente com o discurso de exigência e rigor que o Governo gosta de fazer e de impor a quem pode. Por exemplo, aos professores e aos funcionários públicos. Mas os socialistas, começando pelo presidente do conselho de administração da AR, José Lello, defendem-no com unhas e dentes. Aliás, um dado curioso é que este tipo de decisões parlamentares nunca provoca divergências. Os deputados podem não se entender para eleger o provedor de Justiça, nem para muitas outras coisas em que um certo consenso seria de louvar. Tratando-se dos seus interesses e privilégios, entendem-se às mil maravilhas, como se viu, por exemplo, durante os largos anos em que usaram e abusaram das chamadas viagens-fantasma.
Num parlamento onde já chegaram a faltar a uma sessão plenária, sem qualquer justificação, 107 dos 230 deputados e onde ainda em Dezembro a maioria teria perdido uma votação importantíssima se largas dezenas de parlamentares não tivessem ido para fim-de-semana mais cedo, só uma grande e ingénua fezada pode justificar que a palavra do deputado faça fé nestas matérias. Ainda que só por cinco dias, o que acaba por ser uma espécie de 'rabo de fora': se a confiança na palavra do deputado fosse total, esta faria fé por quanto tempo ele estivesse doente. Tudo isto seria mais ou menos irrelevante se o deputado português médio se distinguisse pelo seu exemplo. E se a Assembleia não tivesse um sério problema de imagem na sua relação com a sociedade. Assim, é mais um contributo para ela continuar a aparecer no fundo da lista dos órgãos de soberania, sempre que alguém se lembra de fazer uma sondagem.
Fernando Madrinha

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